Por Elder de Faria Braga
Hoje ouvi no rádio o âncora revoltado porque um político havia sido absolvido em um julgamento, pois as provas encontradas contra ele teriam sido obtidas de maneira irregular. É importante entendermos esse fato para realmente entendermos de onde vem nossa liberdade.
Dizem que um bom jeito de explicar um conceito complicado é através de uma parábola. Com já funcionou antes, vou tentar:
Em um reino distante, quem decidia todas as desavenças entre as pessoas era o Rei e sua decisão valia para sempre. Todos viviam felizes, pois o Rei era um homem justo, ponderado e experiente. Um dia, porém, uma bruxa malvada enfeitiçou o Rei e ele enlouquecia nos dias pares e tornava-se são nos dias ímpares. Isso causou enorme constrangimento a todos, pois nos dias ímpares as causas podiam ser decididas de qualquer modo, já nos dias pares, a justiça imperava.
Assustado com suas decisões nos dias ímpares, o Rei resolveu o problema, criando uma série de leis que diziam como as coisas deveriam ser julgadas, leis essas que nem ele poderia desobedecer. Assim, o rei pode gozar a vida nos dias normais e nos dias loucos, divertindo-se muito, sem precisar se preocupar com o modo como as coisas eram decididas. As decisões nunca mais foram tão justas pois deixaram de ser perfeitamente adequadas a cada caso, mas a insegurança acabou e todos viveram felizes para sempre….
No mundo real, vivemos sempre tentando buscar o equilíbrio entre um Estado ágil, capaz de decidir rapidamente com base no caso concreto e leis que nos protejam contra governantes loucos, incompetentes, corruptos, tendenciosos etc.
A forma encontrada de garantir a sociedade contra os abusos dos governantes foi a criação de leis que garantem rigidamente certos princípios fundamentais. Um deles, por exemplo é o chamado devido processo legal, ou seja: as regras processuais devem ser obedecidas rigidamente, mesmo que isto signifique, eventualmente, liberar um criminoso.
A experiência da história nos mostra que sempre existirão criminosos soltos. Uma sociedade não corre mais riscos por ter um calhorda a mais na rua. Por outro lado, a liberdade deixa de existir, rapidamente, se as regras processuais puderem ser torcidas pelo juiz pela “evidente culpa” do acusado. Sendo a natureza humana o que é, uma vez que isto é possível, não demora muito para os poderosos torcerem essas regras para eliminar as pessoas que os incomodam, ou pior, para que alguns juízes comecem a vender esse direito de dar uma “torcidinha” na lei…
Ou seja: corremos como sociedade menos riscos com um político corrupto na rua, porque uma prova foi colhida irregularmente, do que com esse mesmo político achando que pode vasculhar a vida dos seus inimigos (muito provavelmente exatamente as pessoas que lutam pela moralidade administrativa) para poder ameaçá-los com processos…
Temos de lembrar que os tiranos sempre se beneficiaram muito da pouca malícia do homem honesto. Quem trabalha duro e paga os seus muitos impostos, não se conforma facilmente com um criminoso sendo liberado por uma “tecnicalidade”. O problema é que normalmente esse apego ao aspecto técnico do processo é o apego ao chamado devido processo legal, ou seja: ao cumprimento das regras processuais, que é exatamente o que torna o processo igual para todos. O homem médio não consegue ver a importância disso, pois não consegue imaginar a enorme capacidade dos poderosos de torcerem as leis e as regras para ampliarem seu poder e ameaçar seus desafetos.
É irônico, mas na verdade, muitas vezes a única coisa que impede os governantes de realmente se portarem como criminosos é exatamente este respeito ao devido processo legal, que muitas vezes faz com que um ou outro escape da prisão….
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